quarta-feira
30 dezLei nº 11.343/2006 – Porte de droga para consumo pessoal
A Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de posse/porte de droga para consumo pessoal nos seguintes termos:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Tese de que o art. 28 não seria crime
Assim que a Lei de Drogas foi editada, Luis Flávio Gomes defendeu a tese de que o porte/posse de droga para consumo pessoal havia deixado de ser crime. Em outras palavras, LFG sustentou que o art. 28 não traria a definição de crime, já que ele não prevê pena privativa de liberdade nem multa. Logo, estaria “fora” do conceito de crime trazido pela Lei de Introdução ao Código Penal (DL 3.914/1941):
Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
O STF aceitou essa tese?
NÃO. O STF decidiu que o art. 28 da Lei de Drogas, mesmo sem prever pena privativa de liberdade, continua definindo conduta criminosa. Assim, não houve uma descriminalização da conduta (abolitio criminis), mas sim uma despenalização. A despenalização ocorre quando o legislador prevê sanções alternativas para o crime que não sejam penas privativas de liberdade.
Confira a ementa do julgado no STF:
(…) 1. O art. 1º da LICP – que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção – não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).
2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo “rigor técnico”, que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado “Dos Crimes e das Penas”, só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30).
(…)
4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30).
6. Ocorrência, pois, de “despenalização”, entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade.
7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). (…)
STF. 1ª Turma. RE 430105 QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 13/02/2007.
Atenção! Não há dúvidas de que o art. 28 da Lei de Drogas possui natureza jurídica de CRIME. |
Se um indivíduo é condenado, com trânsito em julgado, pelo delito de porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) e depois pratica outro delito, ele será considerado reincidente na dosimetria desse segundo crime?
NÃO. A condenação por porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) NÃO gera reincidência.
Mas você não acabou de dizer que o art. 28 da LD é crime…?
Sim. O art. 28 da LD é crime. No entanto, para o STJ, mesmo sendo crime, não gera reincidência.
Por quê?
O STJ apresenta a seguinte linha de argumentação:
- A condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência, ou seja, um indivíduo condenado por contravenção penal, se praticar em seguida um crime, quando for julgado, não se aplicará a ele a agravante da reincidência. Isso porque o art. 63 do Código Penal é expresso ao se referir à pratica de novo crime ao dispor:
Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (veja que o agente tem que ter sido condenado por crime anterior)
Atenção! Se a pessoa é condenada definitivamente por CONTRAVENÇÃO e, depois destacondenação, pratica um CRIME, ao ser julgada por esta segunda infração não sofrerá os efeitosda reincidência. Se a primeira infração praticada foi uma contravenção, não há reincidência. |
- o crime do art. 28 da LD tem sanções menos graves que uma contravenção;
- a contravenção não gera reincidência;
- logo, é desproporcional que o crime do art. 28 da LD (sendo menos grave que a contravenção) gere reincidência.
Discussão sobre a constitucionalidade do art. 28 da LD
O STJ utilizou, ainda, um outro argumento: ele afirmou que a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas será decidida em breve pelo STF no RE 635.659 e que existem alguns Ministros do Supremo que já se manifestaram dizendo que este tipo penal seria inconstitucional por violar a intimidade e a vida privada.
É o caso do Relator do RE, Ministro Gilmar Mendes, que votou pela descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, consignando que “a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional.”
Assim, como existe esse
questionamento acerca da proporcionalidade do direito penal para o controle do
consumo de drogas, não deve o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 constituir causa
geradora de reincidência.[1]
[1] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A condenação pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c1d53b7a97707b5cd1815c8d228d8ef1>. Acesso em: 30/012/2020
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