Legislação Penal Especial- Juizado de Violência Doméstica e Familiar
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Legislação Penal Especial- Juizado de Violência Doméstica e Familiar

Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Parágrafo único. Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização judiciária.

Art. 14-A. A ofendida tem a opção de propor ação de divórcio ou de dissolução de união estável no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.                (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019)

§ 1º Exclui-se da competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a pretensão relacionada à partilha de bens.              (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019)

§ 2º Iniciada a situação de violência doméstica e familiar após o ajuizamento da ação de divórcio ou de dissolução de união estável, a ação terá preferência no juízo onde estiver.               (Incluído pela Lei nº 13.894, de 2019)

Art. 15. É competente, por opção da ofendida, para os processos cíveis regidos por esta Lei, o Juizado:

I – do seu domicílio ou de sua residência;

II – do lugar do fato em que se baseou a demanda;

III – do domicílio do agressor.

Maria Berenice Dias entende que “o maior de todos os avanços trazidos pela Lei Maria da Penha,  foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM), com competência cível e criminal. Claro que o ideal seria que em todas as comarcas fosse instalado um JVDFM e que o juiz, o promotor, o defensor e os servidores fossem capacitados para atuar nessas varas e contassem com uma equipe de atendimento multidisciplinar. Mas, diante da realidade brasileira, não há condições de promover o imediato funcionamento dos juizados com essa estrutura em todos os cantos deste país.

Uma coisa é certa, a violência doméstica está fora do âmbito dos Juizados Especiais, e estes não poderão mais apreciar tal matéria.

 Esta alteração de competência justifica-se, porquanto de modo expresso – e em boa hora – foi afastada a aplicação da Lei 9.099/95 quando o crime é praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

“A Lei Maria da Penha contém critérios específicos de hermenêutica, listados em seu artigo 4º, donde se extrai que é imprescindível considerar, em sua interpretação, os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

O artigo 17, da Lei nº 11.340/2006, estabelece que “é vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa”.

Já o seu artigo 41 é expresso em assentar que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.

Tem-se que, configurado caso de violência doméstica e familiar contra a mulher, qualquer que seja o crime e sua pena, o descabimento da composição civil extintiva da punibilidade, da transação penal ou da suspensão condicional do processo.

Além disso, não se deve lavrar termo circunstanciado (em caso de prisão em flagrante, deve ser registrado em auto próprio e, se for o caso, arbitrada fiança), com a instauração de inquérito policial (com a medida paralela prevista no artigo 12, inciso III, e §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.340/2006), e a denúncia deve ser escrita, seguindo-se na forma do procedimento estatuído no Código de Processo Penal.

A Súmula nº 536, do Colendo Superior Tribunal de Justiça, já assentou que “a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”.

Dentro do amplo aspecto de violência doméstica e familiar, encontram-se alguns comportamentos que configuram contravenções penais, tais como vias de fato (art. 21), perturbação do trabalho e do sossego alheio (art. 42), importunação ofensiva ao pudor (art. 61) e perturbação da tranquilidade (art. 65), as quais, por não constituírem crimes, em sua conceituação técnica, não deveriam afastar a aplicação da Lei nº 9.099/95, malgrado devesse prevalecer as vedações contidas no artigo 17, da Lei nº 11.340/2006.

Entretanto, rechaçando possível alegação do uso da analogia (in malan partem), o Excelso Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente que, ínsita a violência nos atos de agressão perpetrados contra a mulher no ambiente doméstico e familiar, a vedação contida no artigo 44, inciso I, do Código Penal, deve ser estendida à infração prevista no artigo 21, do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (1ª Turma, HC nº 137.888/MS, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 20.02.2018).

A Corte Suprema, em respeito ao vetor hermenêutico indicado na ADC nº 19 (Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 28.04.2014), entendeu que se deve emprestar o maior alcance possível à legislação tendente a coibir a violência doméstica e familiar, como forma de evitar retrocessos sociais e institucionais na proteção das vítimas, avanço conquistado de modo árduo, na luta pela superação do sofrimento da mulher, muitas vezes experimentado em silêncio – no recôndito do lar, do seio familiar e da alma, agredida exatamente por aquele com quem divide o “teto” e dedica o afeto.

Restou resolvido no referido julgamento que o sistema protetivo da Lei nº 11.340/2006 – de nítido cunho constitucional e fortemente amparado em diplomas internacionais – deve ser interpretado com maior amplitude, de modo a obstaculizar a reinserção da violência contra a mulher na ambiência da legislação própria às infrações de menor potencial ofensivo, sem o que não se concretizará o comando do artigo 226, § 8º, da Constituição Federal.

A necessidade ou não de representação nas contravenções de vias de fato, especialmente para os casos envolvendo violência doméstica, sempre gerou grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Contudo, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, na ADI nº 4.424 e na ADC nº 4.424, julgada em 09 de fevereiro de 2012, que entendeu ser pública incondicionada a ação penal para os crimes de lesões corporais, afastando, assim, qualquer ingerência da lei dos juizados especiais no âmbito dos crimes perpetrados mediante violência doméstica (e declarando a constitucionalidade do artigo 41, da Lei nº 9.099/95), a questão encontra-se pacificada no sentido de que, também para as contravenções de vias de fato, não é exigível a prévia representação da vítima.

Em outras palavras, com a referida decisão do Supremo Tribunal Federal, que a todos vincula (art. 102, § 2º, da CF), a ação penal, nos crimes de lesões corporais leve e culposas que envolvam violência doméstica, é pública incondicionada, a não reclamar, portanto, a previa representação da vítima. Igualmente não se discutirá a constitucionalidade do artigo 41, da Lei nº 11.340/2006, que afasta a incidência da Lei nº 9.099/95 aos delitos perpetrados com violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como tampouco se dirá que a lei é inconstitucional por afrontar o princípio da igualdade entre homens e mulheres ou por invadir o âmbito da competência estadual para legislar sobre a criação de varas especializadas ou definir a competência da justiça criminal enquanto não implantados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Enfim, atualmente está consolidado o entendimento, com amplo respaldo jurisprudencial, acerca da inaplicabilidade global da Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95) no âmbito da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06). [1]

A ação penal nos crimes de lesão corporal leve cometidos em detrimento da mulher, no âmbito doméstico e familiar, é pública incondicionada.

STJ. 3ª Seção. Pet 11805-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 10/5/2017 (recurso repetitivo) (Info 604).

Vide Súmula 542-STJ: A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada.

O CP prevê, em algum dispositivo, que o crime de lesões corporais é de ação pública condicionada? NÃO. O CP não prevê, em nenhum lugar, que o crime de lesões corporais seja de ação pública condicionada. Quando a lei não afirma que determinado crime é de ação pública condicionada, a regra é que este delito seja de ação pública incondicionada.

Assim, em regra, todos os crimes são de ação pública incondicionada, salvo se a lei prevê expressamente que ele seja de ação pública condicionada ou de ação privada. Esse comando está no art. 100, § 1º do CP:

Art. 100. A ação penal é pública, salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido.

§ 1º A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça.

Logo, se formos analisar unicamente o texto do CP, deveríamos entender que o crime de lesões corporais é sempre de ação pública incondicionada. Isso porque não existe nenhum dispositivo do CP que afirme o contrário. Por essa razão, até 1995, sempre se entendeu que todas as espécies de lesão corporal (incluindo a leve e a culposa) seriam crimes de ação penal pública incondicionada.

Lei nº 9.099/95 veio alterar esse cenário.

Ocorre que, em 1995, foi editada a Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/95). Essa Lei, com o objetivo de instituir medidas despenalizadoras, afirmou que os delitos de lesões corporais leves e de lesões corporais culposas deveriam ser crimes de ação penal pública condicionada. Veja a redação do art. 88 da Lei nº 9.099/95:

Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas.

Assim, por exemplo, quando, em uma briga de bar, João desfere um soco em Ricardo, causando-lhe lesões corporais leves, este crime é de ação penal pública condicionada, ou seja, qualquer providência para apurar este delito e para dar início ao procedimento criminal só se inicia se o ofendido (no caso, Ricardo) tiver interesse e provocar os órgãos públicos (procurar a polícia ou o Ministério Público).

Repita-se que, se não houvesse este art. 88 da Lei n.° 9.099/95, a ação penal nos crimes de lesões corporais leves e culposas seria pública incondicionada, considerando que o CP não exige representação para este crime (art. 129 c/c art. 100, § 1º do CP).

As lesões corporais leves e culposas praticadas contra a mulher no âmbito de violência doméstica são de ação pública incondicionada ou condicionada? Em outras palavras, este art. 88 da Lei n.° 9.099/95 também vale para as lesões corporais leves e culposas praticadas contra a mulher no âmbito de violência doméstica?

NÃO. Qualquer lesão corporal, mesmo que leve ou culposa, praticada contra mulher no âmbito das relações domésticas é crime de ação penal INCONDICIONADA, ou seja, o Ministério Público pode dar início à ação penal sem necessidade de representação da vítima.

O art. 88 da Lei nº 9.099/95 NÃO vale para as lesões corporais praticadas contra a mulher no âmbito de violência doméstica.

Por quê? Porque a Lei nº 9.099/95 NÃO se aplica aos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Obs.: •Se uma mulher sofrer lesões corporais no âmbito das relações domésticas, ainda que leves, e procurar a delegacia relatando o ocorrido, o delegado não precisa fazer com que ela assine uma representação, uma vez que a lei não exige representação para tais casos. Bastará que a autoridade policial colha o depoimento da mulher e, com base nisso, havendo elementos indiciários, instaure o inquérito policial; •Em caso de lesões corporais leves ou culposas que a mulher for vítima, em violência doméstica, o procedimento de apuração na fase pré-processual é o inquérito policial e não o termo circunstanciado. Isso porque não se aplica a Lei nº 9.099/95, que é onde se prevê o termo circunstanciado; •Se a mulher que sofreu lesões corporais leves de seu marido, arrependida e reconciliada com o cônjuge, procura o Delegado, o Promotor ou o Juiz dizendo que gostaria que o inquérito ou o processo não tivesse prosseguimento, esta manifestação não terá nenhum efeito jurídico, devendo a tramitação continuar normalmente; •Se um vizinho, por exemplo, presencia a mulher apanhando do seu marido e comunica ao delegado de polícia, este é obrigado a instaurar um inquérito policial para apurar o fato, ainda que contra a vontade da mulher. A vontade da mulher ofendida passa a ser absolutamente irrelevante para o início do procedimento; •É errado dizer que todos os crimes praticados contra a mulher, em sede de violência doméstica, serão de ação penal incondicionada. Continuam existindo crimes praticados contra a mulher (em violência doméstica) que são de ação penal condicionada, desde que a exigência de representação esteja prevista no Código Penal ou em outras leis, que não a Lei n. 9.099/95. Assim, por exemplo, a ameaça praticada pelo marido contra a mulher continua sendo de ação pública condicionada porque tal exigência consta do parágrafo único do art. 147 do CP. O que a Súmula nº 542-STJ afirma é que o delito de LESÃO CORPORAL praticado com violência doméstica contra a mulher, é sempre de ação penal incondicionada porque o art. 88 da Lei nº 9.099/95 não pode ser aplicado aos casos da Lei Maria da Penha. [2]

[1] RESTANI, Diogo Alexadre. A Lei dos Juizados Especiais Criminais e a Lei Maria da Penha. Publicado em: 03/2018. Jus.com.br. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/64761/a-lei-dos-juizados-especiais-criminais-e-a-lei-maria-da-penha> Acesso em: 09/02/2021.

[2] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é crime de ação pública incondicionada. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/a714ec6796f638ba4d5792f78dccd134>. Acesso em: 09/02/2021

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