Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha
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Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha

É atípica a conduta de importar pequena quantidade de sementes de maconha.

STJ. 3ª Seção. EREsp 1624564-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 14/10/2020 (Info 683).

STF. 2ª Turma. HC 144161/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/9/2018 (Info 915).

Márcio André Lopes Cavalcante relata: “imagine a situação hipotética: João, por meio de um site, importou da Holanda para o Brasil 26 frutos aquênios, popularmente conhecidos como “sementes” de maconha (cannabis sativa linneu).

Quando as sementes chegaram ao Brasil, via postal, o pacote foi inspecionado pelo setor de Alfândega da Receita Federal no aeroporto, que descobriu seu conteúdo por meio da máquina de raio-X e avisou a Polícia Federal.

Diante disso, João foi denunciado pelo MPF pela prática de tráfico transnacional de drogas (art. 33 c/c art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006).

O Procurador da República argumentou que, pela grande quantidade de sementes encomendadas e pela própria palavra do denunciado, restou demonstrado que ele pretendia iniciar uma plantação de cannabis sativa (maconha) em seu quintal.

Houve crime? Configura crime a conduta de importar sementes de maconha? NÃO. Vamos entender com calma.

O que é considerado “droga” para fins penais? O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 11.343/2006 prevê que, para uma substância ser considerada como “droga”, é necessário que possa causar dependência, sendo isso definido em uma lista a ser elencada em lei ou ato do Poder Executivo federal. Veja:

Art. 1º (…) Parágrafo único.  Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.

O art. 66 da mesma Lei complementa esta regra:

Art. 66. Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998.

Assim, o conceito é técnico-jurídico e só será considerada droga o que a lei (em sentido amplo) assim reconhecer como tal. Mesmo que determinada substância cause dependência física ou psíquica, se ela não estiver prevista no rol das substâncias legalmente proibidas, ela não será tratada como droga para fins de incidência da Lei nº 11.343/2006 (ex: álcool).

Este rol existe? Onde ele está previsto? O rol das substâncias que são consideradas como “droga”, para fins penais, continua previsto na Portaria SVS/MS nº 344/1998,[1] considerando que ainda não foi editada uma nova lista.

Perceba, portanto, que estamos diante de uma norma penal em branco heterogênea (em sentido estrito ou heteróloga). Isso porque o complemento do que é considerado droga é fornecido por um ato normativo elaborado por órgão diverso daquele que editou a Lei. A Lei nº 11.343/2006 foi editada pelo Congresso Nacional e o seu complemento é dado por uma portaria, editada pela ANVISA, autarquia ligada ao Poder Executivo.

Tetrahidrocanabinol (THC) Tetrahidrocanabinol, também conhecido como THC, é uma substância psicoativa encontrada na planta Cannabis Sativa, mais popularmente conhecida como maconha.

A quantidade de THC na maconha pode variar de acordo com uma série de fatores, como o tipo de solo, a estação do ano, a época em que foi colhida, o tempo de colheita e consumo etc.

A THC é prevista expressamente como droga na Portaria SVS/MS nº 344/1998, da ANVISA.

Sementes de maconha não têm THC. Os frutos aquênios da cannabis sativa linneu não apresentam na sua composição o THC. A planta da cannabis sativa linneu está prevista na lista “E” da Portaria SVS/MS 344/1998.

Ocorre que essa Portaria prevê apenas a planta como sendo droga (e não a sua semente). Assim, a semente de maconha não pode ser considerada droga.

O § 1º do art. 33 da LD prevê que também é crime a importação de “matéria-prima” ou “insumo” destinado à preparação de drogas. A semente de maconha poderia ser considerada como “matéria-prima” ou “insumo” destinado à preparação de drogas? Também não.

A semente de maconha não pode ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação de drogas. Isso porque ela não é um “ingrediente” para a confecção de drogas. Não se faz droga misturando a semente de maconha com qualquer coisa. Dito de outro modo: não se prepara droga com semente de maconha. Isso porque a semente de maconha não tem substância psicoativa (ela não tem nada em sua composição que atue no sistema nervoso central gerando euforia, mudança de humor, prazer etc.).

Conforme já explicou o Ministro Gilmar Mendes:

“Na doutrina, afirma-se que a matéria-prima, conforme Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes que causem dependência física ou psíquica (GRECO FILHO, Vicente; RASSI, João Daniel Lei de drogas anotada. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99). Ou seja, a matéria-prima ou insumo devem ter condições e qualidades químicas para, mediante transformação ou adição, por exemplo, produzirem a droga ilícita, o que não é o caso das sementes da planta Cannabis sativa, que não possuem a substância psicoativa (THC)” (HC 144161/SP)

Desse modo, a semente da cannabis sativa não é, em si, droga (não está listada na Portaria) e também não pode ser considerada matéria-prima ou insumo destinado à preparação de droga ilícita.

Mas é possível que o indivíduo plante a semente de maconha e que daí nasça a planta da cannabis sativa linneu… A planta tem THC (substância psicoativa proibida)…

É verdade. Pode ser que o indivíduo germine a semente, que isso vire uma muda, que ele cultive a muda e que se torne a planta da maconha.

No entanto, a mera importação da semente não é crime algum porque configuraria, no máximo, mero ato preparatório da figura típica prevista no § 1º do art. 28 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

Nem chega a ser, portanto, ato executório do § 1º do art. 28 porque o agente não iniciou a semeadura ou o cultivo.

A importação das sementes não poderia configurar a tentativa da prática do crime do art. 28, § 1º da Lei nº 11.343/2006?

Particularmente, penso que não. Isso porque, como já dito, o agente não iniciou nenhuma conduta executória dos verbos previstos no tipo penal (semear, cultivar ou colher).

No entanto, ainda que se considere que se iniciou a execução e que ele não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, não há razão para a instauração de processo penal.

O preceito secundário do art. 28 da LD prevê como sanções penais:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviços à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Logo, como não é prevista pena privativa de liberdade para esta conduta, é inviável a aplicação da regra da tentativa do art. 14, II, do CP.” [2]

Regramento do trato de dependentes químicos.

A lei 11.343 de 2006, além de prever as espécies de punição ao usuário de drogas e ao traficante de drogas, prevê ainda as formas de tratamento ao dependente químico. Tal legislação consolidou alterações profundas, como por exemplo quando da feitura e da implantação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, o qual possui o objetivo principal de organizar e regulamentar as atividades de prevenção e reinserção social dos usuários, bem como a ideia de reprimir a produção e a mercancia das drogas tornadas ilícitas. 

Objetivando promover a prevenção ao uso de drogas tornadas ilícitas, o SISNAD em seu artigo 3º, determina que tem por finalidade articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com a prevenção e a repressão, e o objetivo de contribuir, promover e assegurar a inclusão social e a socialização e a reinserção social dos usuários, estabelecido em seu artigo 5º do mesmo diploma legal. Resta assim demonstrado que a principal peculiaridade e objetivo do SISNAD não é a de promover a punição dos usuários de drogas, mas sim os de prevenção, acolhimento e tratamento. 

Por meio da mudança trazida pela Lei 11.343 de 2006, o usuário de drogas não mais tem enviesado contra si a ideia de que será punido com a imposição da pena encarceradora, privativa de liberdade, mas sim de que, conforme prevê a lei, será imediatamente levado aos Juizados Especiais Criminais e não será mais preso em flagrante, como dispõe o art. 48, § 1º e § 2º da lei 11.343/06.

É no título III da lei 11.343/06 que nós encontramos de maneira taxativa e também não totalmente expressa, as atividades que objetivam a prevenção ao uso indevido de drogas, as de assistência, atenção e ainda reinserção social dos dependentes químicos, normatizando cada função e trazendo ainda os princípios e fundamentos principais do processo de tratamento, bem como ainda determinando delitos e sanções relativas a cada conduta.

Importante destacarmos as alterações promovidas pelo advento da Lei 13.840 de 2019, a qual alterou a Lei 11.343/2006, nos dispositivos específicos sobre tratamento dos dependentes químicos. Por exemplo, vieram acrescidas as disposições do “capítulo II – das atividades de prevenção, tratamento, acolhimento e de reinserção social e econômica de usuários ou dependentes de drogas”, as quais regulamentaram as formas de tratamento para dependentes químicos e sistematizaram as formas de prevenção.

Inclusive foi acrescido o artigo 23-A que descreve as formas de tratamento do usuário de drogas, e, mais ainda, descreveram-se as formas de internação voluntária e também involuntária, a qual foi alvo de críticas severas de especialistas na área da saúde, por não ter sua efetividade amplamente comprovada.

Descreve o artigo 23-A acerca das formas de internação:

§ 3º São considerados 2 (dois) tipos de internação:

I – Internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do dependente de drogas;        

II – Internação involuntária: aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que justifiquem a medida.        

§ 4º A internação voluntária:

I – Deverá ser precedida de declaração escrita da pessoa solicitante de que optou por este regime de tratamento;     

II – Seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento.     

§ 5º A internação involuntária:

I – Deve ser realizada após a formalização da decisão por médico responsável;        

II – Será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde;   

III – perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável; 

IV – A família ou o representante legal poderá, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento.     

§ 6º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. 

É fundamental que o aluno se atente a essas disposições pois elas foram promovidas pela Lei 13.840 de 2019, sendo alterações muito recentes e significativas e que possuem enorme chance de serem cobradas nos concursos públicos vindouros.

            O plano individual de atendimento e o acolhimento em comunidade terapêutica acolhedora também foram alterações significativas trazidas pela lei supracitada na Lei de Drogas, e que também devem ser lidas em sua literalidade. Embora de fácil compreensão, é preciso que o aluno tenha o senso geral das alterações trazidas.


[1]Portaria 334/1998. Aprova o Regulamento Técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial. Ministério da Saúde. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/prt0344_12_05_1998_rep.html> Acesso em: 08/02/2021.

[2] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Atipicidade da importação de pequena quantidade de sementes de maconha. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/07ac7cd13fd0eb1654ccdbd222b81437>. Acesso em: 08/02/2021.

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