Direito Civil- Processo de habilitação para o casamento
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Direito Civil- Processo de habilitação para o casamento

O casamento é um negócio jurídico formal e solene, com um procedimento de habilitação prévio com diversas solenidades[1]. O processo de habilitação é um procedimento administrativo, que tramita perante o Oficial do Cartório do Registro Civil do domicílio dos nubentes, tendo o Ministério Público como fiscal da ordem jurídica (custos juris)[2]. Sua finalidade é comprovar que os nubentes preenchem os requisitos que a lei estabelece para o casamento. As partes, por meio dele, demonstram estar em condições de contrair o matrimônio. Busca constatar:[3]

  • a capacidade para a realização do ato (arts. 1.517 a 1.520 do CC);
  • a inexistência de impedimentos matrimoniais (art. 1.521) ou de causa suspensiva (art. 1.523); e
  • a dar publicidade, por meio de editais, à pretensão manifestada pelos noivos, convocando as pessoas que saibam de algum impedimento para que venham opô-lo.[4]

            Assim, verifica-se que o Estado tem 2 formas de atuação: a) atitude preventiva: manifesta-se no processo de habilitação, na qual, caso haja algum empecilho dirimente, é proibida a realização do casamento; b) atitude repressiva: quando o casamento é celebrado mesmo havendo um empecilho dirimente, o Estado atua contra o ato infringente do mandamento legal para fulminá-lo de nulidade.[5]

            O procedimento divide-se em quatro fases: I) fase de requerimento e apresentação da documentação; II) fase dos editais de proclamas; III) registro; IV) expedição da certidão.[6]

Fase de requerimento e apresentação da documentação

            Nesta primeira fase, os noivos devem comparecer ao cartório do registro civil, pessoalmente ou por meio de procurador com poderes especiais para tanto, para requerer o processamento da habilitação para o casamento. Destaca-se o art. 1.525 do CC, que, dentre outros pontos, exige a apresentação de um determinado rol de documentos:

Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos:

I – certidão de nascimento ou documento equivalente;

II – autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra;

III – declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar;

IV – declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;

V – certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio.

            A certidão de nascimento ou outro documento similar (inciso I) tem como objetivo comprovar a idade núbil. Em caso de um indivíduo entre 16 e 18 anos, é necessário ainda a apresentação do consentimento dos pais ou do suprimento judicial de consentimento (inciso II). O inciso III exige a declaração de duas pessoas capazes que declarem conhecer os nubentes e desconhecer qualquer impedimento contra o casamento em questão. A fim de facilitar a verificação das condições objetivas necessárias, exige-se também a declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos noivos e de seus pais (inciso IV). Por fim, caso um dos nubentes seja viúvo ou divorciado, é necessário que seja comprovada a dissolução das núpcias anteriores (inciso V), por meio de certidão regular do cartório. Caso a morte tenha ocorrido no exterior, deve ser apresentada a tradução juramentada do documento.  Na hipótese de um dos noivos ser domiciliado no exterior, é necessário ainda a comprovação de que não há impedimentos em seu país.[7]

            Destaca-se ainda o seguinte dispositivo do CC:

Art. 1.526.  A habilitação será feita pessoalmente perante o oficial do Registro Civil, com a audiência do Ministério Público.

Parágrafo único.  Caso haja impugnação do oficial, do Ministério Público ou de terceiro, a habilitação será submetida ao juiz.

            Anteriormente, exigia-se a homologação judicial para a habilitação do casamento. A Lei 12.133/09, no entanto, simplificou o procedimento e suprimiu tal exigência. Agora, impõe-se apenas a tramitação perante o Oficial do Cartório e a fiscalização pelo Ministério Público. A atuação judicial é excepcional e é exigida somente quando houver impugnação do Oficial do Cartório do Registro Civil, do parquet ou de terceiros. Apesar dessa alteração, manteve-se a fiscalização do Ministério Público, justificando-se pela existência de interesse público. A alteração em questão foi tema do Enunciado 120 da I Jornada de Direito Civil:[8]

Enunciado 120. Proposta: Deverá ser suprimida a expressão “será homologada pelo juiz” no art. 1.526, o qual passará a dispor: “Art. 1.526. A habilitação de casamento será feita perante o oficial do Registro Civil e ouvido o Ministério Público.”

Justificativa: Desde há muito que as habilitações de casamento são fiscalizadas e homologadas pelos órgãos de execução do Ministério Público, sem que se tenha quaisquer notícias de problemas como, por exemplo, fraudes em relação à matéria. A judicialização da habilitação de casamento não trará ao cidadão nenhuma vantagem ou garantia adicional, não havendo razão para mudar o procedimento que extrajudicialmente funciona de forma segura e ágil.

            Nesta fase, é comum o requerimento para a mudança do nome civil de um dos nubentes, a fim de acrescer ao seu o sobrenome do outro (art. 1.565, §1º). Neste ponto, ressalte-se que se trata de uma faculdade dos noivos, permitida ao homem, à mulher, ou até mesmo a ambos. Em razão da inexistência de vedação legal, e por se tratar de direito de personalidade, entende-se que é possível a supressão de sobrenome originário para acrescentar o do nubente.[9] Nesse sentido, a jurisprudência do STJ:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. NOME CIVIL. SUPRESSÃO DE PATRONÍMICO. POSSIBILIDADE. DIREITO DA PERSONALIDADE.

Desde que não haja prejuízo à ancestralidade, nem à sociedade, é possível a supressão de um patronímico, pelo casamento, pois o nome civil é direito da personalidade. Recurso especial a que não se conhece.

(REsp 662.799/MG, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 28/11/2005, p. 279)

            Na hipótese de insuficiência ou irregularidade dos documentos apresentados, ou ainda na existência de impedimento matrimonial, o procedimento deverá ser suspenso pelo oficial do cartório do registro civil. Caso seja constatada exigência indevida ou ilícita pelo oficial do cartório em questão, as partes poderão “se valer da via do procedimento administrativo de dúvida inversa (Lei de Registros Públicos, arts. 198 e 203)”.[10]

            Por fim, verifica-se que eventual vício na habilitação não implica em invalidade do matrimônio celebrado.[11]

Fase dos editais de proclamas

            Primeiramente, observa-se o seguinte dispositivo do CC:

Art. 1.527. Estando em ordem a documentação, o oficial extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições do Registro Civil de ambos os nubentes, e, obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver.

Parágrafo único. A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar a publicação.

            Após a apresentação dos documentos exigidos pelo art. 1.525, o Oficial de Registro Civil deve lavrar os editais de proclamas e publicá-los no próprio Cartório e na Imprensa Oficial. Caso não haja imprensa oficial, a afixação dos editais no próprio Cartório é suficiente, devendo o local ser público e de fácil visualização, a fim de garantir a publicidade do casamento. O prazo mínimo para o edital é de 15 dias.[12]

            O parágrafo único do dispositivo mencionado permite à autoridade competente (juiz de direito ou de paz, onde houver) a dispensa da publicação dos editais, a requerimento do interessado, quando houver urgência (grave enfermidade, iminência de parto, etc). O Ministério Público, como fiscal da lei, deve ser ouvido. Tal procedimento está previsto no art. 69 da Lei de Registros Públicos.[13]

            É importante ressaltar que a dispensa de publicação de editais não se confunde com o casamento em iminente risco de morte (nuncupativo), previsto no art. 1.540 do CC. Neste último, há uma dispensa não só na publicação dos editais, mas no procedimento de habilitação como um todo, ficando diferida no tempo para momento posterior.[14]

            Neste ponto, o seguinte Enunciado da V Jornada de Direito Civil:

Enunciado 513. Art. 1.527, parágrafo único: o juiz não pode dispensar, mesmo fundamentadamente, a publicação do edital de proclamas do casamento, mas sim o decurso do prazo.

            Quanto ao Enunciado mencionado, cabe destacar as palavras do autor Flávio Tartuce:

Não se filia ao teor do enunciado doutrinário, pois ele está distante do texto legal e do princípio da operabilidade, no sentido de facilitação dos institutos civis, um dos baluartes da atual codificação privada.[15]

Oposição de impedimento matrimonial e causa suspensiva

            Em relação ao tema, cabe destacar os seguintes dispositivos do CC:

Art. 1.528. É dever do oficial do registro esclarecer os nubentes a respeito dos fatos que podem ocasionar a invalidade do casamento, bem como sobre os diversos regimes de bens.

Art. 1.529. Tanto os impedimentos quanto as causas suspensivas serão opostos em declaração escrita e assinada, instruída com as provas do fato alegado, ou com a indicação do lugar onde possam ser obtidas.

Art. 1.530. O oficial do registro dará aos nubentes ou a seus representantes nota da oposição, indicando os fundamentos, as provas e o nome de quem a ofereceu.

Parágrafo único. Podem os nubentes requerer prazo razoável para fazer prova contrária aos fatos alegados, e promover as ações civis e criminais contra o oponente de má-fé.

            Primeiramente, destaca-se o art. 1.528 do CC que impõe ao Oficial do Cartório de Registro Civil o dever de esclarecer os nubentes (e representantes) sobre as hipóteses de nulidade e anulabilidade do casamento e suas consequências. Ainda, deve também informar sobre os diversos regimes de bens e a possibilidade de escolha dentre eles. Para tanto, deve utilizar uma linguagem clara e acessível. Caso o referido Oficial não cumpra com esse dever, é possível a sua responsabilização civil (caso haja prejuízo às partes), sem prejuízo de eventuais sanções administrativas e penais, se for o caso.[16]

            O art. 1.529 determina que a oposição de impedimentos e causas suspensivas deve ser realizada por declaração escrita e assinada, instruída com as referidas provas ou indicando onde poderão ser encontradas, a fim de evitar imputações levianas. Caso algum desses requisitos não seja preenchido, o Oficial do Cartório deverá rejeitar sumariamente a oposição.[17]

            Na hipótese de ser admitida a oposição do impedimento matrimonial ou da causa suspensiva, um procedimento será formado e será decidido pelo juiz competente, com produção de provas por ambas as partes, e ouvido o Ministério Público. Da decisão, caberá recurso de apelação, podendo ser interposto tanto pelos nubentes, quanto pelo Ministério Público, como fiscal da lei.[18]

            Caso seja apresentado um impedimento ou uma causa suspensiva, impõe-se a imediata suspensão do procedimento de habilitação para o casamento, sendo que sua retomada somente se dará após a deliberação judicial. Em relação à cerimônia, a suspensão pode decorrer apenas de impedimento matrimonial, de modo que a causa suspensiva não tem o condão de interrompê-la.[19]

            O art. 1.530 estabelece o dever do Oficial do Registro de dar aos nubentes a nota da oposição, com seus fundamentos, provas, bem como o nome de quem a ofereceu. Tal disposição se justifica para garantir aos noivos tanto a ampla defesa, como seu direito à reparação civil dos eventuais danos sofridos, desde que provada a culpa (responsabilidade civil subjetiva). Podendo, inclusive, haver responsabilização penal, se for o caso.[20]

            O parágrafo único do referido dispositivo garante a ampla defesa e o contraditório aos nubentes. Caso a oposição não apresente um mínimo de plausibilidade, a autoridade deve rejeitá-la sumariamente.[21]

Registro e certidão

            Quanto ao tema, é relevante destacar os seguintes:

Art. 1.531. Cumpridas as formalidades dos arts. 1.526 e 1.527 e verificada a inexistência de fato obstativo, o oficial do registro extrairá o certificado de habilitação.

Art. 1.532. A eficácia da habilitação será de noventa dias, a contar da data em que foi extraído o certificado.

            Após o processamento da habilitação para o casamento, o oficial do registro civil deverá emitir o certificado de habilitação para o casamento e entregá-lo para os noivos. Apesar da emissão do certificado, é permitido que haja oposição superveniente de impedimento matrimonial ou causa suspensiva, até a celebração do casamento. É possível, ainda, que os noivos contraiam casamento em circunscrição distinta da que foi processada a habilitação, desde que comunicada para as regulares anotações.[22]

            O art. 1.532 estabelece o prazo decadencial para a celebração do casamento. Assim, emitido o certificado de habilitação e feito seu registro regular no Cartório (termo inicial), começará a correr o prazo de 90 dias para a celebração do matrimônio. Como se trata de prazo decadencial, ele não se suspende e tampouco se interrompe. Caso o casamento não ocorra dentro desse prazo, deve ser realizado um novo procedimento de habilitação, podendo reaproveitar os documentos e provas apresentadas no procedimento anterior.[23] Por fim, verifica-se ainda que:

Não sendo celebrado o casamento no prazo de 90 dias, mas sendo celebrado casamento somente religioso, depois do prazo, será possível a concessão de efeitos retroativos, caso não seja provada a inexistência de impedimento matrimonial, como autorizam os arts. 1.515 e 1.516 da própria Codificação.[24]


[1] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.

[2] FARIAS, Cristiano Chaves de. et. al. Código Civil para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos – 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

[3] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil, 3: esquematizado: responsabilidade civil , direito de família, direito das sucessões – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.

[4] Ibidem.

[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil, 3: esquematizado: responsabilidade civil , direito de família, direito das sucessões – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.

[6] FARIAS, Cristiano Chaves de. et. al. Código Civil para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos – 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

[7] FARIAS, Cristiano Chaves de. et. al. Código Civil para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos – 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

[8] Ibidem.

[9] Ibidem.

[10] FARIAS, Cristiano Chaves de. et. al. Código Civil para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos – 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

[11] Ibidem.

[12] Ibidem.

[13] Ibidem.

[14] FARIAS, Cristiano Chaves de. et. al. Código Civil para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos – 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

[15] TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020.

[16] FARIAS, Cristiano Chaves de. et. al. Código Civil para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos – 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

[17] Ibidem.

[18] Ibidem.

[19] Ibidem.

[20] Ibidem.

[21] Ibidem.

[22] FARIAS, Cristiano Chaves de. et. al. Código Civil para concursos: doutrina, jurisprudência e questões de concursos – 5. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.

[23] Ibidem.

[24] Ibidem.

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